Inibidores da Inovação

Os obstáculos do processo inovador e da criatividade

A constante transformação do mundo em que vivemos fez com que a inovação se tornasse uma importante aliada das empresas e profissionais. Já discutimos que o processo inovador se assemelha a uma ciência e possui seus métodos e ferramentas para que ultrapasse a condição de mero modismo. O objetivo do post de hoje é justamente entender suas forças contrárias, aquelas que inibem a inovação, limitam o processo criativo e impedem as pessoas de propor ideias.

“Acredito que a maioria das pessoas não esteja sequer perto de realizar seu potencial criativo. Os indícios casuais sugerem que diversas empresas ainda têm um longo caminho a percorrer para remover as barreiras contra a criatividade”

Philip Kotler e Trías de Bes

Cultura e Paradigmas

A cultura empresarial, certamente, é uma das principais lacunas entre a necessidade e a capacidade de inovar. Segundo Kotler e Triás de Bes, a Inovação, como disciplina, “ainda não alcançou o estágio de desenvolvimento capaz de satisfazer a necessidade premente de inovar“. Uma estatística é  reveladora: embora 96% dos executivos considerem a criatividade essencial para suas empresas, surpreendentemente, apenas 23% deles tiveram êxito em torná-la parte integrante da sua rotina.

O subdesenvolvimento da inovação, como ramo do gerenciamento empresarial, não é o único problema quando falamos de cultura. Há outras barreiras e restrições, citadas por Kotler e Triás de Bes, que devemos conhecer:

  • Mito da Inovação radical: Muitas empresas confundem o real significado da inovação. Quando um alto executivo demanda mais criatividade, os funcionários supõem, erroneamente, que estão sendo solicitados a criar novos e deslumbrantes produtos e serviços que vão revolucionar o mercado.  Na verdade, a inovação nem sempre acarreta grandes saltos adiante. A inovação gradual, passo a passo, também é inovação e é tão necessária, ou até mais, que a versão radical. Isso é o que realmente torna um negócio sustentável.
  • Indefinição da Responsabilidade: A inovação é vista por muitos como responsabilidade de algum departamento, como P&D, Marketing ou produtos, no entanto, não é uma questão de poucos escolhidos, mas responsabilidade de toda organização. Isso não significa que há confusão ou caos, quando uma empresa inova em todos os níveis, também há responsabilidade em todos os níveis e em cada etapa do processo.
  • Inovação X Criatividade: Há vezes em que uma ideia com potencial passa anos transitando dentro de uma organização e nunca se materializa completamente. A mensagem é clara: criatividade, ideias e novas tecnologias sozinhas não são suficientes, devem estar ligadas à gestão correta de inovação. Uma organização repleta de pessoas criativas não é necessariamente uma organização inovadora.
  • Falta de Ferramentas: A necessidade de execução para o presente e, ao mesmo tempo, inovação para o futuro podem parecer contraditórias. A mudança está em desacordo com a eficiência. É muito difícil pensar em como fazer as coisas de maneiras diferentes enquanto elas realmente estão sendo feitas. Alie isso à falta de ferramentas para a inovação e teremos pessoas avessas à mudança. A inovação, como um campo da administração, está na infância e, apesar de aprendermos cada vez mais a respeito dela, ainda não há amplo consenso sobre que processos e ferramentas usar.
  • Falta de Controle: A maioria das empresas carece de administração consistente e centralizada para garantir o monitoramento da inovação em suas unidades de negócio. Somente 34% dos altos executivos afirmam que a inovação integra sua agenda de trabalho. A situação não mudará até a inovação ser considerada uma área de gerenciamento empresarial.
  • Falta de Coordenação: A falta de coordenação entre os departamentos é considerada uma das principais barreiras à inovação. No entanto, a colaboração significa mais do que demolir divisórias e paredes entre departamentos.
  • Falta de Foco no cliente: Atualmente, será impossível inovar, se não prestarmos atenção no consumidor final. Muitas inovações recentes surgiram como resultado do ato de observar o consumidor. E não nos referimos à pesquisa de mercado tradicional, mas a métodos modernos, como o Design Thinking ou o Small Data, obtendo ideias que os próprios consumidores nunca teriam sido capazes de verbalizar.

A cultura de uma empresa também pode estar repleta de paradigmas. O filósofo Francis Bacon batizou de “ídolos” os discursos dominantes, legitimados por pessoas ou instituições notórias, que enraízam suas crenças. Esses paradigmas atrapalham o conhecimento dos reais problemas do mundo, inibem a inovação e minimizam as potencialidades humanas. Os professores Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci descreveram cada um dos quatro ídolos de Bacon no livro “O Executivo e o Martelo”:

  • Ídolos da Tribo: São erros de percepção do mundo, inerente aos limites da condição humana. Quando os agentes de mercado começam a olhar o universo social como um todo, utilizando-se de suas teorias e experiências particulares para fabricar crenças compartilhadas pelos demais profissionais da área. A consagrada econometria, que tem por objetivo criar modelos matemáticos capazes de predizer o comportamento dos mercados, é um exemplo claro desse tipo de ídolo.
  • Ídolos da Caverna: Como cada pessoa tem suas próprias crenças, uma sabedoria própria com a qual explicam o desconhecido, elas acabam analisando todo novo conhecimento sobre o mundo por meio das sombras projetadas pelos seus próprios conhecimentos. Sempre haverá líderes “iluminados”, que conduzem tudo sozinhos, sem aceitarem questionamentos, baseados em algum tipo de fé individual que motiva muitas pessoas a os seguirem – para o abismo.
  • Ídolos do Foro: São difíceis de lidar, por se alojarem na mente, devido ao uso inadequado de nomes e palavras. Uma palavra como “mercado”, por exemplo, pode carregar conotações positivas ou negativas dependendo do interlocutor ou do contexto empregado. Conceitos como “transformação” e “inovação”, por exemplo, podem ser entendidos como um processo de melhoria no sistema por alguns e como uma justificativa para cortes de gastos e demissões, por outros
  • Ídolos do Teatro: Têm suas causas nos sistemas teóricos e em regras de conduta que são justificadas por histórias de universalidade constatável. Esse falsos conceitos são produzidos por um tipo de conhecimento disseminado pela formação acadêmica, pelo discurso de gurus e por meio de propagandas internas do mercado, sendo todos eles considerados ilusórios. Um exemplo pertinente é de algum líder gabaritado, com grande experiência e notoriedade, pregar que “em time que está ganhando, não se mexe“.

Medo e Aversão à Perda

“Ainda mais importantes que os obstáculos ao nosso redor, são os que estão dentro de nós. As forças que mais matam as novas ideias são nossas próprias limitações. Se uma ideia sobrevive ao período de entusiamos inicial, ainda pode ser esquecida porque você provavelmente é o único que a conhece. A maioria das ideias nasce e morre em isolamento

Scott Belsky

A inovação é um caminho com resultados desconhecidos, um dos poucos objetivos empresariais que não podemos especificar imediatamente aonde levará. A incerteza do resultado aumenta o risco percebido, tanto real como subjetivo e, como vimos no post “As Pedras no Caminho, parte 3”, temos uma tendência de exagerar a percepção de ameaças. Nesse sentido, o caminho para o desconhecido gera medo, inibindo a criatividade.

Infelizmente, o medo não se resume à insegurança da mudança rumo ao desconhecido. Em nossa cultura, a falha é vista como um sinal de incompetência. As pessoas sentem medo de cometer erros e, dado que a criatividade está associada a um alto nível de risco, o potencial das coisas darem errado é elevado.

“Certa vez, Albert Einstein disse: ‘Se, a princípio, a ideia não for absurda, então não haverá esperança para ela’. Para muitas pessoas, compartilhar uma ideia potencialmente absurda com sua empresa é excessivamente arriscado. Na melhor das hipóteses, elas podem ser ridicularizadas por seus colegas, por isso tendem a escondê-las.

Philip Kotler e Trías de Bes

A Aversão à Perda é a ideia de que as pessoas odeiam perder coisas mais do que gostam de ganhá-las, o que explica o porquê  de ameaças serem consideradas mais importantes que as oportunidades. Segundo Josh Kaufman, as pessoas têm uma reação duas vezes mais intensa à perda potencial do que à oportunidade de um ganho equivalente. “Se olhar para a sua carteira de investimentos e notar que seu valor aumentou 100% você se sente bem. Se notar que caiu 100% você se sente terrivelmente péssimo.”

Método e Criatividade

Pesquisas sobre criatividade e inovação proporcionam uma perspectiva esclarecedora das restrições. À primeira vista, pode parecer que o ambiente mais propício à imaginação é um ambiente onde vale tudo. No entanto, segundo o professor Huggy Rao, praticamente todos os feitos criativos são realizados por pessoas, equipes e organizações que enfrentam as restrições difíceis e inflexíveis de um método.

“Estudos sobre a criatividade e restrições demonstram que, quando as opções são limitadas, as pessoas geram mais, e não menos, soluções variadas, aparentemente porque sua atenção se dispersa menos”

Huggy Rao

Uma metodologia ruim ou inexistente, pode acarretar em problemas técnicos, como falta de recursos, incentivos ou habilidades. Porém, existe um prejuízo ainda mais profundo. Em uma visão de longo prazo, empresas que não estimulam ou coíbem a criatividade de seus funcionários acabam perdendo o mais humano dos talentos.

Segundo o neurocientista argentino Estanislao Bachrach, quando entramos na escola, o mundo fica cada vez mais lógico, mais racional. Deixamos de usar nossa criatividade e essa habilidade vai se esvaindo. Se não a utilizamos, a perdemos.  A neurociência demonstrou que, quando estamos sendo criativos, existe uma atividade maior no hemisfério direito do cérebro e as redes neurais dessa região podem ser exercitadas. Para isso, temos que realizar esforços conscientes e recorrentes.

Se não tivermos como hábito mostrar às pessoas como elas podem gerar ideias e incentivá-las a fazer isto, provavelmente elas não saberão o que fazer quando pedirmos para serem criativas.

Liderança e o Foco no Resultado

Segundo Philip Kotler e Trías de Bes, um dos maiores problemas da inovação é que muitos executivos não têm consciência que os principais inibidores se relacionam ao estilo de gestão. Como, por exemplo, a falta de incentivo, recursos, autonomia ou propósito, o excesso de pressão, dados ou ruído e, principalmente, a indefinição sobre o que acontece quando alguém falhar.

A professora Teresa Amabile, uma das principais especialistas em criatividade do mundo, realizou um estudo empírico, com base em 12 mil lançamentos e uma amostra de 238 pessoas, relacionado ao estado de ânimo de funcionários. O estudo revelou que os níveis de ansiedade, tristeza e alegria em uma empresa estão diretamente relacionados com as ideias geradas pelos funcionários. Os entrevistados propuseram mais e melhores ideias quando estavam com um estado de ânimo elevado e se sentiam mais felizes.

Como falamos no post Liderança na Era Pós-Digital, a falha deveria ser vista como parte natural da inovação, mas não é o que geralmente acontece. “As falhas custam dinheiro, por isso, quando a empresa pede ideias, criatividade e inovação dos funcionários, embora eles não digam em voz alta, tenderão a pensar: “Tudo bem, devemos propor ideias, inovar, ser mais criativos, mas, se algo der errado, se minhas ideias gerarem perdas, em vez de lucros, será minha responsabilidade? O que acontecerá comigo? Prejudicará minha carreira?” (Philip Kotler e Trías de Bes)

A falta de transparência, acusações ou punições por falhas, acabam gerando uma pressão desnecessária, inibindo completamente a criatividade. Embora algumas pessoas acreditem que a pressão por resultados ou prazos resultem em mais e melhores iniciativas, o estudo de Teresa Amabile nos mostra  o oposto:

“Em nosso estudo diário, as pessoas frequentemente achavam que eram mais criativas quando estavam trabalhando sob a grande pressão por prazos. Mas os 12 mil dias seguidos em que realizamos nosso estudo mostraram exatamente o contrário: as pessoas eram menos criativas quado lutavam contra o relógio. A pressão por tempo reprime a criatividade, pois as pessoas não conseguem se envolver profundamente com os problemas. A criatividade requer um período de incubação; as pessoas precisam de tempo para lidar com um problema e deixar as ideias fermentarem.”

A crença de que o foco nos resultados possa ser útil para a organização também levanta questões morais, “pois sempre há mais de um motivo para negarmos a nós mesmos e optarmos por práticas que nos desmentem. Sobretudo no mundo em que valemos pelo que vendemos. Nesse em que toda conduta é medida pela régua do resultado. Foco que nos escraviza e aliena.” (Clóvis de Barros Filho) 

Ou seja, a pressão pelo tal foco nos resultados faz com que os funcionários desfoquem de todo o resto, impedindo que oportunidades sejam aproveitadas, que melhorias sejam sugeridas e que um valor maior seja criado.

“A vida pragmática nos obriga a abrir mão de nós mesmos, do nosso jeito de ser, de nossas convicções mais profundas para conseguir aquele negócio de circunstância. Sem o qual a meta do momento ficará comprometida. Para nos tornarmos um “vendedor pitbull”, como ensinam os manuais de venda, temos que nos adestrar. Só assim conseguiremos dar conta de uma demanda que tem de nós expectativas contraditórias. Como, por exemplo, o conflito entre perseguir, simultaneamente, o valor de lucro exigido pela empresa e a redução de custos por parte do cliente.

Em nome da eficácia, a mentira sobre si mesmo, sobre o próprio jeito de ser, é das mais ingênuas. Mente-se sobre os atributos do produto vendido, sobre a natureza do serviço prestado, sobre o que for preciso, com a justificativa de foco no resultado

Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci

Para Finalizar

Um propósito e uma cultura colaborativa, livre de paradigmas, com uma liderança moderna, que favoreça a criatividade, forneça ferramentas e implante métodos de gestão e execução das ideias, parecem ser as principais características de uma organização que consegue eliminar os inibidores da inovação.

A criatividade e a inovação são inerentes a qualquer pessoa. A questão é se as organizações são capazes ou não de criar o ambiente para a criatividade e a inovação aflorarem. Lugares opressores, obcecados por metas, nunca serão férteis para a inovação e criatividade. Quantas vezes falamos da ideia incrível que tivemos no banho ou no final de semana, justamente quando estamos mais relaxados? Por que então fazemos tudo ao contrário e encaixotamos as pessoas em baias com paredes até o nível dos olhos para que ninguém possa enxergar? 

As empresas mais inovadoras desta era em que vivemos de conhecimento, do digital, são aquelas que as pessoas têm todo o espaço para valorizar as suas características pessoais. São lugares em que não se usa gravata ou sapato, mas moletom e tênis. São mais “soltos”, sem muitas amarras burocráticas. Olhe ao seu redor, pense em como está sua empresa, como ela funciona. Há espaço para a inovação e criatividade?”

Clóvis de Barros FIlho e Arthur Meucci

Referências: Agilmente, Estanislao Bachrach, 2012. A Bíblia da Inovação, Philip Kotler e Fernando Trias de Bes, 2011. O Executivo e o Martelo, Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci, 2013. A Ideia é Boa e Agora?, Scott Belsky, 2010. O Manual do CEO, Josh Kaufman, 2010. Potencializando a Excelência, Robert Sutton e Huggy Rao

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