Plataformas de Negócios na Era Digital

Entenda o modelo de negócios que está revolucionando o mundo

Você sabe o que Airbnb, Playstation e a feira livre do seu bairro têm em comum?

A resposta é bastante simples, todos eles proporcionam um meio para conectar produtores e consumidores. Todos são Plataformas de Negócios.

Trata-se de um conceito que o ser humano conhece há muito tempo. Afinal, o que são os mercados se não um ambiente no qual agentes econômicos possam intercambiar valor?

A evolução tecnológica dos últimos anos, no entanto, permitiu que as Plataformas ganhassem uma escalabilidade sem precedentes. Assim, setores inteiros se viram diante da transformação total.

O post de hoje conta um pouco dessa história. Vamos tentar entender como as Plataformas funcionam e de que forma as empresas tradicionais são afetadas por elas.

A base das Plataformas

Segundo David L. Rogers, no livro Transformação Digital, a ideia de plataformas como modelo de negócios originou-se das teorias econômicas de mercados bilaterais.

O estudo examina a precificação e a competição em mercados nos quais um negócio serve a dois tipos diferentes de clientes, que dependem um do outro.

“A teoria afirma que os dois lados geralmente apresentam diferentes graus de sensibilidade ao preço e que, em mercados eficientes, um lado subsidia o outro.”

David L Rogers

Com o avanço dos estudos, o foco da teoria começou a deslocar-se da dinâmica do mercado para o tipo de negócios que os torna possíveis.

Ao mesmo tempo, chegou-se à constatação de que os mesmos efeitos também ocorrem em cenários com mais de dois tipos de clientes (Visa e Mastercard, por exemplo, que conectam consumidores, comerciantes e bancos).

Assim, para definir os modelos de negócios no centro de um mercado multilateral, cunhou-se o termo plataformas multilaterais ou, simplesmente, Plataformas.

A alavancagem da tecnologia

A chegada da Era Digital mudou tudo. Antes dela, existiam apenas plataformas tradicionais, como as corretoras de imóveis, os jornais ou os shopping centers.

O que vimos depois, em um curtíssimo espaço de tempo, foi a formação de empresas com enorme alcance, velocidade, conveniência e eficiência.

A internet e as tecnologias a ela associadas proporcionaram às plataformas contemporâneas uma assombrosa capacidade de transformar setores inteiros.

Para os autores do livro Plataforma, A Revolução da Estratégia, essa transformação ocorreu em duas etapas:

No primeiro estágio, as empresas eficientes devoraram as ineficientes. Na década de 1990, a maior parte de programas de internet envolvia a criação de sistemas online para distribuição de bens e serviços.

Diferentemente dos sistemas tradicionais, as empresas com sistemas online se beneficiaram dos baixos custos marginais de distribuição, às vezes próximos a zero. Isso lhes permitiu visar e atender vários mercados com um investimento muito menor.

As tradicionais empresas de mídia foram as primeiras a sentir o baque, logo, o varejo também foi afetado. Assim, jornais foram derrubados por portais online, empresas como a Amazon levaram livrarias tradicionais à derrocada e a turma do Netflix acabou com as locadoras de filmes.

No segundo estágio, as empresas eficientes foram devoradas por plataformas. As evidências dessa nova fase de rupturas estão por toda parte:

  • As empresas de taxi – e as agências reguladoras – compreenderam que o Uber está a caminho do domínio global no setor de transporte local.
  • Antes ridicularizado pelo setor hoteleiro, o Airbnb cresceu rapidamente até se tornar um provedor global de hospedagem, com mais quartos reservados todas as noites do que as maiores cadeias hoteleiras do mundo.
  • O Upwork vem gradualmente evoluindo de um site de talentos profissionais para uma infraestrutura que permite a organizações inteiras serem construídas na nuvem. Conecta freelancers de todo o mundo sem precisar de um local de trabalho.
  • A Amazon evoluiu para uma plataforma. Continua ampliando seu impacto sobre o setor tradicional de publicação de livros, ao mesmo tempo em que faz incursões em dezenas de outras áreas do varejo.
  • Mais de 1,9 bilhão de usuários conectados ao Youtube acessam a plataforma todos os meses. Segundo pesquisa realizada pela empresa, 44% dos entrevistados usam o Youtube como canal preferido para assistir vídeos online. A Netflix vem em segundo, com metade desse número.
  • Enquanto gigantes tradicionais como a Nokia e o Blackberry perderam 90% de seu valor na última década, plataformas inovadoras como Apple e Google dominaram o mercado ao conectar produtores e consumidores de aplicativos.

Mas como foi exatamente que isso aconteceu? O que faz as Plataformas terem tanta vantagem competitiva frente às empresas tradicionais, mesmo aquelas mais eficientes?

O Poder das Plataformas

O sistema empregado pela maioria das empresas tradicionais é conhecido como pipeline. Um modelo baseado na criação e transferência de valor, no qual fornecedores estão numa extremidade e consumidores na outra.

Por ser simples, do tipo “mão única”, podemos descrever o pipeline de negócios como uma cadeia linear de valor. Já no mundo das Plataformas, diferentes tipos de usuários conectam-se e interagem entre si.

Em vez de fluir numa linha reta, o valor pode ser criado, modificado, trocado e consumido de diversas formas e em diversos lugares. Tudo isso, graças às conexões facilitadas e os recursos disponibilizados pela plataforma.

Assim, são os próprios usuários do Youtube, por exemplo, que criam, divulgam, avaliam, anunciam, comentam e consomem conteúdo. A empresa (que hoje pertence ao Google após ser adquirida por US$ 1,65 bilhão, apenas 1 ano depois de seu lançamento) fornece apenas os recursos para que isso seja possível.

Para Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary, cada plataforma funciona de modo diferente, atrai diferentes tipos de usuários e cria diferentes formas de valor. Mas, os mesmos conceitos básicos são identificáveis em toda plataforma de negócio:

As plataformas eliminam os gatekeepers: 

Os editores são exemplos de gatekeepers. Eles selecionam (“filtram”) alguns livros ou artigos, dentre os milhares que recebem, na esperança que caiam no gosto popular. Um processo trabalhoso, demorado e baseado, principalmente, em instinto e adivinhação.

Nas plataformas, os editores são substituídos por manifestações do mercado, fornecidas de maneira automática pela comunidade de leitores. Seja por meio de um like na rede social, ou uma avaliação positiva de um livro publicado gratuitamente (por qualquer pessoa) no Kindle da Amazon.

O feedback em tempo real dos consumidores faz com que as plataformas se expandam de maneira muito mais rápida e eficiente.

As plataformas liberam novas fontes de criação de valor:

As plataformas desestruturam o cenário competitivo tradicional suprindo o mercado com um novo tipo de fornecimento. Os hotéis ou empresas de transporte, por exemplo, obrigados a arcar com custos fixos, agora se veem competindo com negócios que operam livres de tais ônus.

Isso porque as plataformas possibilitam a economia compartilhada, intermediando o intercâmbio de uma capacidade ociosa no mercado.

O que antes era custoso ou arriscado demais, agora, graças aos contratos-padrão de segurança e sistemas de reputação das plataformas, é possível.

As plataformas criam ciclos de colaboração na comunidade:

O sucesso da Wikipédia comprova que as plataformas podem impulsionar a colaboração da comunidade, substituindo a cadeia de fornecimento tradicional.

Trabalhos de referência, como as conceituadas enciclopédias, foram criadas por meio da mobilização de processos centralizados, caros, complexos e difíceis de gerenciar.

Com recursos do modelo de plataforma, a Wikipédia construiu uma fonte de informações comparável às melhores enciclopédias em qualidade e abrangência.

Fez isso valendo-se, unicamente, de uma comunidade de colaboradores externos que garantiram o desenvolvimento, crescimento e curadoria do conteúdo.

As plataformas invertem a empresa:

Como a maior parte do valor de cada plataforma é formada por sua comunidade de usuários, esses novos negócios demandam uma reorientação de foco. Atividades que tradicionalmente eram internas passam a ser externas:

  • No marketing, as mensagens publicitárias, antes disseminadas pelos funcionários e representantes da companhia, agora são espalhadas pelos próprios consumidores.
  • De modo semelhante, os sistemas de TI evoluíram das funções de retaguarda para a linha de frente dos negócios.
  • A área de finanças, tradicionalmente focada no valor para o acionista, vem se concentrando na geração de valor para todas as partes interessadas.
  • A gestão de operações mudou, saindo da otimização dos sistemas de estoque e de cadeia de fornecimento, para a gestão de recursos externos que a empresa não controla diretamente.
  • A estratégia evoluiu do estabelecimento de barreiras competitivas para a conquista de comunidades vibrantes.
  • A inovação deixou de ser seara da área de pesquisa e desenvolvimento e, agora, resulta da colaboração em massa (crowdsourcing).

Vantagens competitivas das plataformas

Toda essa dinâmica traz benefícios exclusivos para as plataformas. Podemos citar 3 como os mais relevantes:

1. As Plataformas possuem poucos ativos: Afinal, transferem para os clientes o trabalho de criar grande parte de seu valor. Exemplo evidente em empresas como Uber e Airbnb.

2. O potencial de ganho de escala é muito maior: Os custos baixos e a arquitetura de computação na nuvem turbinam esse crescimento. Assim, oito das dez empresas mais valiosas do mundo, fundadas desde o surgimento da internet (1994), são plataformas:

Amazon, Google, Facebook, Alibaba, Tencent, Priceline, Baidu e Salesforce (estudo da Forbes, publicado em 2015, disponível no livro Transformação Digital).

3. No mundo das plataformas, o vencedor leva tudo: É difícil entrar em um mercado em que uma plataforma já está estabelecida.

Pense no Facebook, por exemplo. Desafiantes que tentem lançar uma solução equivalente, terão muitas dificuldade em ganhar mercado. O próprio Google tentou, com o Google+, e falhou.

O desafio para a Plataforma do Zuckerberg, porém, é que outras empresas avancem em categorias ligeiramente diferentes de interação em mídias sociais. Foi por isso que o Facebook comprou o Instagram e o WhatsApp, numa demonstração clara do poder das Plataformas.

Impacto das Plataformas

Para entender o real impacto, não se engane ao acreditar que as plataformas bem sucedidas se resumam às mais famosas, como as já citadas nesse texto.

Os exemplos de setores radicalmente transformados por empresas que se destacam nesse modelo de negócios são muito mais vastos:

  • Educação – Coursera, edX, Duolingo, Udemy
  • Finanças – Bitcoin, Kickstarter
  • Jogos – Xbox, Playstation
  • Energia e indústria pesada – Nest, Tesla Powerwall
  • Mão de Obra – Upwork, 99designs, Amazon Mechanical Turk
  • Recrutamento e seleção – LinkedIn, Glassdoor
  • Logística e entrega – Munchery, Foodpanda, Uber
  • Serviços setorizados – Yelp, Foursquare, Groupon
  • Mídia – Medium, Youtube, Wikipédia
  • Propaganda – Google Adwords, Facebook Ads, Baidu
  • Software de Negócios – SAP, Salesforce

E não para por aí, essas empresas não estão afetando apenas os setores produtivos. Afinal, as maiores plataformas atuais lembram estados-nações:

  • Com mais de 1,5 bilhão de usuários, o Facebook por exemplo administra uma “população” maior do que a chinesa.
  • 1 bilhão de horas são assistidas no Youtube, todos os dias, em até 80 idiomas diferentes (o que abrange 95% dos usuários da internet).
  • O Google responde por 64% das pesquisas online dos Estados Unidos e por 90% das realizadas na Europa.
  • Pelo Alibaba circulam transações de mais de 1 trilhão de yuans (cerca de R$ 607 bilhões) por ano, o que corresponde a 70% dos embarques comerciais feitos na China.

“Goste ou não, empresas como essas já atuam como reguladoras não oficiais e não eleitas de milhões de vidas”

Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary

Com tamanho impacto, nos resta a pergunta: o que as empresas tradicionais podem fazer para sobreviver em meio a tais transformações?

Como ficam as empresas tradicionais?

Esse Efeito de Rede das Plataformas, como vimos no post Execução na Era Pós-Digital: Cultura e Tecnologia, é a grande ameaça para as empresas baseadas em cadeia linear de valor.

Por isso, desde a primeira Plataforma da Era Digital, o eBay, as empresas estão revendo suas estratégias.

Porém, diferente do que se possa pensar, a solução não é, necessariamente, transformar todo o modelo de negócios. Algumas iniciativas menos radicais (porém muito complexas) podem ser exploradas:

Reavaliar a cadeia de valor

Segundo Parker, Alstyne e Choudary, um bom começo seria mapear todos os custos transacionais – ou seja, despesas com processos como marketing, vendas, logística – e imaginar maneiras de reduzi-las ou eliminá-las em um mundo totalmente conectado.

Outra providência importante consistiria em examinar o universo de indivíduos e organizações com os quais mantém interações, tentando imaginar maneiras originais de interconectar esses elementos de modo a criar novas modalidades de valor.

Um ótimo exemplo é o da Amazon. Como vimos anteriormente, a empresa de Jeff Bezos começou como puro negócio de comércio eletrônico, comprando e vendendo produtos, como qualquer varejista físico.

Porém, em dado momento, lançou o Marketplace. Espaço virtual em que lojas independentes podem oferecer suas mercadorias.

Dessa forma, a Amazon deixou de ser uma empresa eficiente, para se tornar uma Plataforma, expandindo muito a sua variedade de produtos e margem de lucro.

Quem está acostumado a comprar livros no site deles, sabe que muitas vezes a venda é feita por lojas menores. Tudo dentro de um único sistema, seguindo o mesmo fluxo, utilizando os mesmos recursos e contando com a mesma confiabilidade da Amazon.

Focar no ecossistema

Empresas bem sucedidas em reavaliar sua cadeia de valor enfatizam mais a governança do ecossistema e a persuasão de parceiros externos do que a otimização de produtos e o controle de empregados internos.

“Entre as empresas tradicionais, a Nike tem se mostrado uma das mais sagazes no que diz respeito à busca de novas maneiras de sobreviver e prosperar no mundo das plataformas”.

Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary

Em janeiro de 2012, a Nike lançou o FuelBand, um wearable utilizado para rastrear atividades físicas, incluindo, por exemplo, os passos dados em uma corrida e o total de calorias consumidas durante o exercício.

Logo, essa solução foi parar no smartphone dos seus clientes, por meio de aplicativo. Ambiente no qual, além de verificar seus dados de performances de treino, os usuários podem interagir uns com os outros e são estimulados pela (genial) gamificação da atividade física.

Com o tempo, a empresa poderá se valer dessas informações para criar experiências ainda mais relevantes para seus consumidores.

“A Nike está testando uma abordagem que, se bem sucedida, levará a uma nova vertente de crescimento – do tipo inaugurado por plataformas de negócios como a Apple – um ecossistema de usuários com base nos dados captados sobre eles”.

Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary

Explorar a “coopetição”

Como comenta David L. Rogers, a mentalidade tradicional sobre competição é dominada por metáforas inspiradas nas guerras e nos esportes. O objetivo é superar os concorrentes, é vencer.

Como nas competições esportivas, nossos adversários são semelhantes a nós (Ford versus General Motors; Coca Cola versus Pepsi). Na visão do “negócio como confronto”, a competição é um jogo de soma zero: para uma lado vencer, o outro precisa perder.

O termo “coopetição” foi cunhado por Ray Noorda e popularizado por Adam Brandenburger e Barry Nalebuff, em um livro homônimo.

Os autores aplicam a teoria dos jogos às relações de negócios para mostrar que a estratégia certa para os negócios rivais é, em geral, um misto de competição e cooperação em diferentes frentes.

Nesse sentido, as plataformas modernas estão na frente. A Apple, por exemplo, compete com o Google em relação aos seus sistemas operacionais. Porém, os dispositivos da Apple há muito tempo rodam o Google como seu sistema de busca padrão.

As duas empresas também competem com seus dispositvos para TV, o Apple TV e o Chromecast. Porém, o Youtube vem embarcado em ambos, assim como o Amazon Prime.

Nenhuma dessas plataformas pode se dar ao luxo de segregar seus concorrentes de seus próprios clientes. Por isso, exploram a coopetição de uma maneira muito estratégica.

“A gestão ativa dos efeitos de rede altera o formato do mercado. Em vez de dividir o bolo, as plataformas, em geral, fazem o bolo crescer ou fazem um novo, alternativo, usando ingredientes como novos mercados e fontes de suprimentos.”

Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary

Para Finalizar

Como puderam ver, trata-se um assunto muito vasto. Confesso que pesquisar e escrever sobre Plataformas foi uma atividade empolgante. Fiquei estarrecido com o valor e oportunidades que elas podem criar para sociedade e seus indivíduos.

O empoderamento, a eficiência e a colaboração são ingredientes que enobrecem o lado positivo dessa revolução.

No entanto, por outro lado, precisamos sempre nos manter atentos. A capacidade de influência e poder econômico das Plataformas é algo inédito, por isso, muita governança se faz necessária.

Um lado bom, outro nem tanto, como em qualquer transformação. Que venham as próximas (e a feira do seu bairro que se cuide)!

Referências: Transformação Digital, David L. Rogers, 2016. Plataforma: A Revolução da Estratégia, Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet Choudary, 2016.

Um comentário em “Plataformas de Negócios na Era Digital”

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