Transforme-se em quem você é

Eu ideal X Eu verdadeiro

Há muito tempo, quando ainda tentava encontrar uma resposta para aquela insistente pergunta dos mais velhos: “O que você quer ser quando crescer?”, me deparei com uma outra inquietação: Eu não fazia ideia de quem eu queria ser quando crescer.

Afinal, o que eu queria ser, remetia apenas a uma profissão e existiam muitas opções disponíveis daquele ponto de vista, desde paleontólogo e astronauta a jogador de futebol e rockstar.

O que me fez refletir por muito tempo foi, portanto, o tipo de pessoa que eu seria, independente da minha profissão – na minha sabedoria infantil, sabia que isso era muito mais importante.

Sempre fui estimulado a ser bem sucedido pela família, amigos, professores e principalmente por filmes e seriados. Esse benchmarking midiático me fez criar um modelo mental do homem de sucesso: terno e gravata, pragmático, racional, sério, sempre com soluções eficazes, admirado e reverenciado pelo colegas.

Para ser esse profissional, eu precisaria estudar muito, afinal, deveria ter respostas para todas as perguntas. Ser sério não seria um problema, no geral, nunca fui muito extrovertido e isso me ajudaria. Mas, ainda assim, sempre tive meu lado brincalhão e sonhador, pensava em mudar o mundo e ajudar as pessoas, características que iam contra o meu modelo de sucesso.

Esse conflito sempre esteve presente, um pirralho querendo ser sério não era das coisas mais simples. Em certa fase da minha vida, pensei ter encontrado minha resposta. Cheguei à conclusão que eu não precisaria escolher entre ser sério ou brincalhão, eu poderia, simplesmente, ser os dois, ia depender da ocasião.

Isso me fez muito bem, pude cultivar amizades e conseguir bons avanços em meu início de carreira, mas ainda faltava algo. A alternância de um comportamento tido como ideal não tratava-se apenas de máscaras e, apesar de ser algo simples que nunca me tirou o sono, continuei com essa inquietação por um bom tempo.

Encontrei algumas respostas por acidente nos livros. Grandes pensadores já refletiram sobre esse tema. Sócrates, por exemplo, dizia que “A vida irrefletida não vale a pena ser vivida“.

Segundo o filósofo, para termos uma vida plena, precisamos saber a diferença entre o “bem” e o “mal”. Mas, como esses conceitos não são absolutos, só conseguimos diferenciá-los através de questionamento e raciocínio.

Ou seja, moralidade e conhecimento estão ligados e, portanto, a reflexão é indispensável à vida.

Então, o fato de ter tido minhas inquietações não foi algo necessariamente ruim, pelo contrário, me proporcionou autoconhecimento e condições de buscar uma vida cada vez melhor e continuar a minha busca por uma resposta.

E ela veio de outro filósofo, o autor da frase que empresta o título desse post. Nietzsche dizia que “o homem é algo a ser superado”, ele afirma que para vivermos a vida da melhor forma possível, teríamos que nos livrar de alguns valores que nos são ensinados.

Assim, algumas coisas que consideramos “boas” são, na verdade, grandes limitadores. Abaixo, segue um trecho do The Philosophy Book, da editora Dorling Kindersley:

“Podemos pensar que não é bom bancar o tolo em público e, assim, resistir ao impulso de dançar alegremente na rua. Podemos acreditar que desejos da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos quando eles se manifestam. Podemos ficar em empregos tediosos, não porque precisamos, mas porque julgamos nosso dever aturá-los.

Nietzsche quer pôr fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que a humanidade possa se ver de maneira diferente”.

A “Tirania dos Deveres”, da psicanalista alemã Karen Horney, diz algo muito parecido. Afirma que muitas vezes não agimos com bases em nossas próprias crenças, mas sim, aquelas herdadas sob a forma de “deveres” sociais, como por exemplo “eu devo obter reconhecimento e poder” ou “eu devo ser magro“.

Trata-se de um conflito entre o “eu ideal” e o “eu verdadeiro”. O grande problema, segundo ela, é que acreditamos que podemos controlar a realidade externa quando obedecemos esses deveres, mas, na verdade, eles nos induzem à “infelicidade”.

A resposta que mais fez sentido para mim foi, portanto, que não deveria tentar repetir um modelo daquilo que julgava ideal. Devemos superar os “deveres” que nos são impostos e nos transformar em quem realmente somos. Dessa forma, teremos maiores condições de ficarmos satisfeitos no futuro, quando refletirmos sobre nossas escolhas.

Nossos primeiros pensamentos e reflexões, talvez não fossem simplesmente infantis, mas ideias livres dos limitadores que adquirimos na vida adulta e, como nos ensina o livro do Pequeno Príncipe, não devemos esquecer o que queríamos quando crianças.

Então, se a ideia é mudar o mundo para melhor, que seja!

 

Referências: O Livro da FIlosofia, diversos autores 2011. O Livro da Psicologia, diversos autores, 2012. O Pequeno Principe, Antoine de Saint-Exupéry, 1943. Assim Falou Zaratustra, Friedrich Nietzsche, 1883.

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