Liderança na Era Pós-Digital

O que muda para os líderes na Era Pós-Digital?

No post sobre a Era Pós-Digital, observamos como o avanço da tecnologia está alterando a dinâmica dos mercados, organizações e relação com os consumidores. Hoje, vamos buscar entender como a liderança pode atuar nesse cenário altamente disruptivo, em que a efemeridade é perene, a transformação é rotina e o caos é status quo.

Antes de começar, vale lembrar do conjunto de habilidades que terá maior relevância ao profissional que viver nesse ambiente de mudança constante e abundância de dados:

  • Curiosidade – a habilidade de olhar ao redor, investigar, explorar e descobrir. Não ser monotemático, mas ter interesses diversos.
  • Adaptabilidade – ninguém deve acreditar que começará uma carreira hoje e seguirá com ela por muito tempo.
  • Learnability  – o desejo e capacidade de desenvolver habilidades sob demanda.
  • Criatividade – Máquinas, robôs e programas podem nos ajudar a chegar onde queremos mais rápido, mas não podem ser tão criativos quanto os humanos (ainda).
  • Utilização de Dados – Temos os dados, mas ainda precisamos saber o que fazer com eles.

Principais Características

Os fatores de sucesso que predominaram no século XX foram talhados para uma época que já passou: tamanho organizacional (produção em escala), clareza do papel (definição clara de responsabilidade), especialização (divisão do trabalho) e controle (por meio da hierarquia).

Segundo Chiavenato, os fatores que vão predominar nos tempos de mudança incluem aspectos completamente diversos, como: velocidade (rapidez na resposta ao cliente), flexibilidade (capacidade de aprender e mudar), integração (mobilização integrada com iniciativa e participação) e inovação (criatividade para mudar rapidamente).

De acordo com John Naisbit, a vantagem competitiva de uma organização vai depender cada vez mais dos seguintes aspectos:

  • As organizações que conseguirem criar um clima favorável à realização pessoal poderão contar com pessoas mais engajadas e bem dotadas de competências necessárias ao negócio.
  • O novo papel do líder será o de cultivar e manter um ambiente propício ao desenvolvimento das pessoas, inclusive ao seu próprio.
  • Os sistemas de remuneração atuam como estímulos diferenciados ao recompensarem o desempenho excelente e a inovação.
  • O emprego permanente e o tempo integral perdem espaço para outras formas de relação de trabalho.
  • O estilo de gestão autoritário sob o estalar de chicotes e gritaria é substituído pela administração em redes, liderança democrática e participativa.
  • As organizações passam a ser verdadeiras federações de empreendedores internos, funcionando sob uma mesma razão social em sintonia com uma comunidade de processos. Poucas regras, menos controle, muito incentivoautonomia e entusiamo.
  • A qualidade passa a ser a regra elementar para participar do jogo.
  • A importância dos valores organizacionais é constantemente revisitada.
  • A organização passa a fazer parte de um núcleo social mais abrangente, que inclui cada vez mais a qualidade de vida das pessoas.

Os líderes da Era Pós-Digital precisam abandonar rapidamente os antigos métodos de comando e controle em relação às pessoas. Para tanto, ainda segundo Chiavenato, a liderança deve utilizar intensivamente quatro alavancas indispensáveis:

  1. Empowerment: Dar poder às pessoas para que elas possam tomar decisões independentes, sobre ações e recursos. Nesse sentido, o líder reparte e delega autoridade às pessoas, para que elas possam trabalhar de acordo com o que aprendem e dominam.
  2. Informação: Fomentar o acesso à informação ao longo de todas as fronteiras. Criar condições para disseminar a informação e torná-la útil e produtiva para as pessoas, no sentido de facilitar a tomada de decisões e a busca de novos e diferentes caminhos.
  3. Recompensas: Proporcionar incentivos compartilhados que promovam os objetivos organizacionais. Um dos fatores mais motivadores é a recompensa pelo trabalho bem feito. A recompensa funciona como reforço positivo e um sinalizador do comportamento que a organização espera de seus participantes.
  4. Competências: Ajudar as pessoas a desenvolver habilidades, ferramentas e a capacidade para utilizar amplamente a informação e a autoridade. É assim que se criam talentos dentro da organização: definindo as competências de que a organização precisa para alcançar seus objetivos e criando condições internas para que as pessoas aprendam e desenvolvam essas competências da melhor maneira possível.

Essas são algumas das principais apostas do meio acadêmico para o sucesso da liderança na Era Pós-Digital.  Abaixo, vamos explorar um pouco mais o conhecimento empírico de outros autores e agregar esses insumos para tentar encontrar ferramentas de aplicação prática.

O que acontece se eu falhar?

Acredito que essa seja a principal pergunta que devemos fazer para definir uma boa liderança nos mercados que estão surgindo. Afinal, se valorizamos a criatividade e inovação, as pessoas precisam se sentir seguras para tentar ou propor algo novo. Um líder avesso a novas ideias acaba por desmotivar o envolvimento de sua equipe na busca por melhores alternativas.

Ter um ambiente “amigável” à falha é bom. Isso não significa que falhar é bom. Mas é preciso ter confiança para admitir que faz parte do processo de inovação. Se não fizermos isso, o foco passa a ser evitá-la a qualquer custo e a maneira mais prática de garantir isso é parar de tentar e abrir mão da vontade de superar expectativas ou entregar soluções superiores. E, assim, os criativos morrem aos poucos.

Tenha em mente que, em algum momento, as pessoas vão falhar, caso contrário, não estão se esforçando ou arriscando o suficiente. Por isso, deve ser vista como uma situação, que, embora desconfortável, faz parte do jogo e ensina caminhos melhores. Robert Sutton, professor de Stanford, consegue resumir em uma frase o que estamos falamos: “Failure sucks but instructs!”.

Por isso, um líder precisa deixar claro que falhar é melhor do que não tentar. E mais importante do que isso, precisa criar mecanismos que garantam aprendizado. Lembrem-se que o ROL (Return On Learning) ganha cada vez mais espaço na Era Pós-Digital.

“Além de aprender com seus erros, aprenda com os erros dos outros. Você não vai viver tempo suficiente para cometer todos sozinho.”

Eleonor Roosevelt.

Sempre forneça orientação e ferramentas para que as possibilidades de erro sejam minimizadas. Porém, deixe bem claro o que vai acontecer com um funcionário que falhar. Isso vai determinar se inovações continuarão acontecendo ou não.

Liderança de Nível 5

Jim Collins fez uma extensa pesquisa para entender as correlações entre as empresas mais bem sucedidas dos últimos tempos. Entre outras coisas, descobriu que havia algo em comum, e surpreendente, entre os líderes de tais organizações:

“Ficamos surpresos – na verdade chocados – ao descobrir o tipo de liderança exigida para transformar uma empresa boa numa empresa excelente. Em comparação com os líderes de elevado perfil e personalidade forte, que fazem as manchetes e se tornam celebridades, os líderes das empresas “feitas para vencer” parecem ter vindo de marte. Apagados, quietos, reservados, até mesmo tímidos, esses líderes são uma mistura paradoxal de humildade pessoal com firme vontade profissional. Estão mais para Lincoln e Sócrates do que para Patton ou César”.

Jim Collins

Esses líderes que trilharam o caminho da excelência jamais almejaram ser heróis universais. Nunca aspiraram a ser colocados num pedestal ou se tornar ícones inatingíveis. Eram pessoas comuns na maneira de ser, que produziram em silêncio resultados extraordinários.

É muito importante compreender que a liderança de nível 5 não significa apenas humildade e modéstia. Significa, igualmente, uma vontade férrea, uma determinação quase estoica de fazer tudo o que for necessário para tornar a empresa excelente.

Na Era Pós-Digital, teremos muitas variáveis concorrendo pela atenção dos líderes. Se eles se concentrarem apenas em elevar sua posição ou imagem, não serão capazes de fazer outras coisas essenciais. Afinal, a vaidade (hubris) pode tomar conta desse líder, que passa a ter a falsa crença de que é maior do que a própria organização e que essas regras não se aplicam a ele.

Visão de longo prazo

Com o enorme volume de inovações acontecendo, as pessoas entram em tantas batalhas que acabam perdendo o foco no longo prazo. O microgerenciamento de tudo pode fazer um líder e sua equipe perderem a visão ampliada do negócio, bem como seus valores e propósito.

“Líderes demoram para agir, criando situações de crise constante, Concentram-se nos resultados a curto prazo, mas isso não oferece nenhuma esperança para o futuro”.

Jim Hemerling

A educação tradicional favorece esse fenômeno, os professores estão ensinando seus alunos a passarem em testes padronizados, com data marcada e tema pré-alinhado. Nossos alunos estão estudando apenas para irem bem nas provas, não para serem pessoas melhores ou estarem preparados para o mercado em que vão atuar.

Portanto, cabe a você e sua equipe cuidarem bem do que precisa ser feito hoje, mas nunca podem abrir mão de uma visão implacável de longo prazo.

Você não pode se apegar às ideias por qualquer outra coisa que não seja o seu potencial de sucesso. E, se for falhar, falhe rápido. O conceito de “fail fast” é muito importante na Era Pós-Digital.

Lembre-se do que discutimos no post  Axiomas de Zurique e acabe rápido com as ideias, boas ou ruins, que te desviam de seu propósito, valores ou objetivos de longo prazo.

Para Finalizar

Não podemos admitir a possibilidade de criar um modelo definitivo para os líderes do futuro, afinal, como vimos no post que explica a Era Pós-Digital, não é possível criar teorias de gestão em um mundo que não para de mudar.

O importante é entender que a liderança precisa se adaptar na mesma velocidade em que as mudanças estão acontecendo. Não há uma receita, apenas um conjunto de insights que pode ajudar a entender qual é a melhor maneira de liderar uma equipe nessa nova Era:

Conecte-se

  • Crie um propósito e defina valores.
  • Seja transparente e humilde. Não deixe a vaidade tomar conta de seu desempenho.
  • Vá a campo e reúna o máximo de informações possível, principalmente, por meio da empatia.
  • Pareça otimista, o líder da Era Pós-Digital está no palco o tempo todo.
  • Estimule o orgulho de pertencer ao grupo e a conexão entre as pessoas.
  • Mantenha uma cultura de excelência.
  • Não seja agressivo, as novas gerações não foram educadas em ambientes hostis. Você vai acabar criando um exército de pessoas medíocres.

Assertividade

  • Garanta um fluxo de informação infalível e métodos para inovação, os dados devem ser tratados como fiéis aliados.
  • Forneça feedback, ferramentas e incentivo para as pessoas chegarem cada vez mais longe. Mesmo que seja fora de sua empresa.
  • Crie equipes multidisciplinares, não procure características iguais às suas.
  • Permita que as pessoas possam agir sem pedir permissão. Não crie regras em excesso, diminua a carga cognitiva.
  • Sempre dê maior importância para a execução e evite a eficiência cega.
  • Quando falhar, falhe rápido e não desperdice a oportunidade de aprendizado.
  • Lide com as “laranjas podres” o mais rápido possível. Elas podem contaminar todo o time e reduzir a performance em 30 a 40%, em comparação aos times que não as possuem (Will Felps).

Progresso constante

  • Objetivos de longo prazo são essenciais, mas as pessoas podem “travar” se não observarem progresso constante. Recompense Small Wins.
  • Transforme o objetivo principal em etapas menores. O grupo precisa ter a visão de longo prazo, mas é mais fácil quando conhecem os passos para chegar lá.
  • Proteja as pessoas de ameaças externas. Parte do trabalho do líder da Era Pós-Digital é servir como um escudo humano para a idiotice alheia.
  • Você é um aprendiz, garanta o seu desenvolvimento contínuo e traga a sua equipe junto.
  • Busque o sucesso da organização e de todos que interagem com vocêUma boa liderança é questão de perspectiva.
  • Por último, por favor, não mate os criativos. “A inovação é mais barata que a competição” (Dan Sullivan) e muito mais interessante.

Referências: Marketing e Comunicação na Era Pós-Digital, Walter Longo, 2014. Global Paradox, John Naisbit, 1995. Empresas Feitas Para Vencer, Jim Collins, 2013. Construção de Talentos, Idalberto Chiavenato, 2012. Leading Innovation, Stanford, Robert Sutton, 2016.

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